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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

UMA CARTA `A SAUDADE

Carta `a SAUDADE



Nota 10

Jocelino Jose Matias. Era o nome dele. Quando alguem elogia minha letra logo lembro do meu avo. Uma figura impar como todo bom avo. Mas seria um eufemismo usar “bom” para cita-lo.
Durante parte da minha infancia passei minhas ferias na casa de meus avos em Nova Iguacu, Rio de Janeiro, e recordo-me de algumas reclamacoes que recebia na escola por conta da minha pessima caligrafia (e quando digo pessima nao estou sendo exagerado).
A fofoca sobre meus garranchos havia atravessado o estado de Minas e chegado ao Rio pelo fio do telefone da minha mae e da vizinha deles. (Eles nao tinham telefone em casa).
Logo meu avo pediu que eu levasse um caderno “ de desenho” na viagem. Ele dizia: “traga o caderno pra voce se distrair desenhando”.
 Mas na verdade ele planejava me fazer copiar “caligraficamente” todo santo dia algum torturante texto do jornal.
 Acho que ele comprava jornais so para me fazer copiar pois eu nunca o vi le-los.
A tarefa era entediante e para uma crianca curiosa com o mundo e ficar sentada durante muito tempo soava como um castigo...
Depois de “treinar” bastante com as tragedias dos jornais, copiei textos dos livros de historia, geografia, ciencias e ate da biblia. “ Se sua letra nao ficar boa pelo menos o resto todo fica”. Dizia ele tentando me irritar falando e rindo ao mesmo tempo.
Depois de todo o trauma, e ja adulto, comecei a me lembrar de alguns detalhes ocultos pela revolta infantil:
Ao final de cada texto ele pegava uma caneta vermelha e escrevia no alto da pagina : NOTA 10 e depois: ASS: Jocelino Jose Matias , no final da folha pautada.

Lembro que o caderno era sem pautas e ele me pedia para usar uma regua e fazer as linhas antes de comecar a tarefa.

 Enquanto eu fazia as linhas sem paciencia alguma, mau-humorado e prestando atencao no ceu azul cheio de pipas coloridas ele falava: “Essas linhas estao muito juntas Filipe! Vai ficar tudo miudo!” . E eu, teimoso, corria com o servico para tentar convencer a minha avo a me deixar soltar pipa na rua (o que tambem nunca dava certo porque “Nova Iguacu ‘e muito perigosa!”).

Resultado: Ficava tudo uma porcaria.
Minha letra que ja era um garrancho ficava ainda mais medonha por entre as pautas miudas. E foi assim dos meus sete aos onze anos de idade.

O mais bacana dessa historia de adestramento caligrafico era o incentivo que ele me dava.
Nao me recordo de nenhuma folha daqueles cadernos que nao tenha sido escrita com a caligrafia cuidadosa do meu avo em caneta vermelha: NOTA 10, ASS: Jocelino Jose Matias.
Hoje estou com 23 anos, e toda vez que escrevo qualquer palavra com minha letra realmente impecavel (felizmente parecida com a dele) lembro do meu avo, que sem saber me ensinou a rimar AMIZADE  com SAUDADE.

Meu melhor amigo, meu avo NOTA 10...


 ASS: Filipe Matias









                                                                       Pos Scriptum


Acho que a saudade pode ser considerada um dos maiores paradigmas da sociedade. Se bem administrada e digerida, ela vira uma heranca, um legado valioso do que nao se tem mais. Se mal, 'e capaz de transformar o ser humano no animal mais miseravel e solitario de todos.
Tento pensar na vida como um investimento constante.
Cada momento compartilhado gera uma troca de moedas. Hoje tenho varias moedas Jocelino e acho que deixei muitas moedas Filipe com ele.
Acabamos nos tornado parecidos. Ricos.
Quero moedas de  Joses, Marias, Rosangelas,Monicas,  Ricardos,Beatrizes, Brenos, Brunos, Cristianos, Jorges, Lucias, Carmens, Cibeles, Vinicius, Marianas, Eduardos, Yasmins, Lilians, Lauras, Sarahs, at'e moedas de Fulanos eu aceito pois eu sei que tambem invisto as moedas Filipe.
Quanto mais valor agrego a essas pessoas, na verdade mais rico eu fico.
Quando eu morrer, quero estar cheio de moedas. Das mais valiosas. Dessa ambicao eu nao me desapego.
Assim so terei o melhor da saudade...

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